Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho ...



A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,
Procura os coruchéus da catedral antiga.
Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno,
Ia seguindo triste pra o velho lar paterno.

Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,
— (Pra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,
E o mar, — corcel, que espuma ao látego do vento...)
Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,
Que aos raios do poente brilhante sol escorre!
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito
Mergulhando o pescoço no seio do infinito,
E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!...

Não! minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
Tu olhas esperando alguma face amiga,
E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
"Por que não volta mais o meu senhor d’outrora?
Por que não vem sentar-se no banco do terreiro
Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,
E pensando no lar, na ciência, nos pobres
Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?
* * * * *
Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho
— Que escondiam-se atrás do cipreste tristonho...
Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,
Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo,
Ralha com um rir divino o grupo folgazão.
Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?..."

É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,
Vendo deserto o parque e solitária a estrada.
No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces —
No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

Oh! deixem-me chorar!... Meu lar... meu doce ninho!
Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Passado — mar imenso!... inunda-me em fragrância!
Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.

Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
Lançaram misturadas glórias e maldições...
Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Deixa est’alma chorar em teu ombro encostada!

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda
Veio saltando a custo roçar-me a testa parda
Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...

Como tudo mudou-se!... O jardim ‘stá inculto
As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros
A urtiga silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua caída, em cuja mão nevada
A aranha estende ao sol a teia delicada!...
Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,
As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,
Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas...

Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
Minh’alma, como tu, é um parque arruinado!
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância.
A estátua do talento, que pura em mim s’erguia,
Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...
Ao menos como tu, lá d’alma num recanto
Da casta poesia ainda escuto o canto,
— Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do seio murmura um treno oculta.

Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,
Nos longos corredores respondem-me à porfia!...

Oh! casa de meus pais!... A um crânio já vazio,
Que o hóspede largando deixou calado e frio,
Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto
Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.

Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão
Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão!...
Povoam-se estas salas...

E eu vejo lentamente
No solo resvalarem falando tenuamente
Dest’alma e deste seio as sombras venerandas
Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...

Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,
Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
Saudades e lembranças s’erguendo — bando alado —
Roçam por mim as asas voando pra o passado.
Boa Vista, 18 de novembro de 1867