QUANDO EU MORRER ...



QUANDO EU MORRER...

Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A fresca tarde
Já não me doura as descoradas faces
Que gélidas se encovam.
Junqueira Freire

Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto,
Como o viajante desse hotel funéreo.

Corre nas veias negras desse mármore
Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro a boca libertina.

Ei-la a nau do sepulcro — o cemitério...
Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo.

Tem os fogos — errantes — por santelmo.
Tem por velame — os panos do sudário...
Por mastro — o vulto esguio do cipreste,
Por gaivotas — o mocho funerário...

Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas...
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas...

Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!...

Oh! perguntai aos frios esqueletos
Por que não tem o coração no peito...
E um deles vos dirá: "Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito."

Outro: "Dei-o a meu pai." Outro: "Esqueci-o
Nas inocentes mãos de meu filhinho."...
... Meus amigos! Notai... bem como um pássaro
O coração do morto volta ao ninho!...
São Paulo, de março 1869