Maciel tinha espírito em quantidade suficiente para não perdê-lo todo com a paixão ...



Maciel tinha espírito em quantidade suficiente para não perdê-lo todo com a paixão. Calou-se; e respondeu à viúva com um gesto de assentimento. Saíram do toucador e desceram ambos silenciosos. No trajeto planeou Maciel dizer-lhe uma só palavra, mas que contivesse todo o seu coração. Era difícil; o lacaio, que abrira a portinhola do coupé, ali estava como um emissário do seu mau destino.

- Quer que o leve até a cidade? perguntou a cidade? perguntou a viúva.

- Obrigado, respondeu Maciel.

O lacaio fechou a portinhola e correu a tomar o seu lugar; foi nesse rápido instante que o médico. inclinando o rosto, disse à viúva:

- Eulália...

Os cavalos começaram a andar; o resto da frase perdeu-se para a viúva e para nós.

Eulália sorriu da familiaridade e perdoou-lha. Reclinou-se molemente nos coxins do veículo e começou um monólogo que só acabou à porta de S. Francisco de Paula.

- Pobre rapaz! dizia ela consigo; vê-se que morre por mim. Não desgostei dele a princípio... Mas tenho eu culpa de que seja um maricas? Agora sobretudo. com aquele ar de moleza e abatimento, é... não é nada... é uma alma de cera. Parece que vinha disposto a ser mais atrevido; mas a alma faltou-lhe com a voz, e ficou apenas com as boas intenções. Eulália! Não foi mau este começo. Para um coração daqueles... Mas qual! c'est le genre ennuyeux!

Esta é a glosa mais resumida que posso dar do monólogo da viúva. O cupê estacionou na praça da Constituição; Eulália, seguida do lacaio, encaminhou-se para a igreja de S. Francisco de Paula. Ali, depositou a imagem de Maciel nas escadas, e atravessou o adro toda entregue ao dever religioso e aos cuidados de seu magnífico vestido preto.

A visita foi curta; era preciso ir a sete igrejas, fazendo a pé todo o trajeto de uma para outra. A viúva saiu sem preocupar-se mais com o jovem médico, e dirigindo-se para a igreja da Cruz.

Na Cruz achamos uma personagem nova, ou antes duas, o desembargador Araújo e sua sobrinha D. Fernanda Valadares, viúva do deputado deste nome, que falecera um ano antes, não se sabe se da hepatite que os médicos lhe acharam se de um discurso que proferiu na discussão do orçamento. As duas viúvas eram amigas; seguiram juntas na visitação das igrejas. Fernanda não tinha tantas acomodações com o céu, como a viúva Seixas; mas a sua piedade estava sujeita, como todas as coisas, às vicissitudes do coração. Em vista do que, logo que saíram da última igreja, disse ela à amiga que no dia seguinte iria vê-la e pedir-lhe uma informação.

- Posso dar já, respondeu Eulália. Vá embora, desembargador; eu levo Fernanda no meu carro.

No carro, disse Fernanda:

- Preciso de uma informação importante. Sabes que estou um pouco apaixonada?

- Sim?

- É verdade. Eu disse um pouco, mas devia dizer muito. O Dr. Maciel...

- O Dr. Maciel? interrompeu vivamente Eulália. Que pensas dele?

A viúva Seixas levantou os ombros e riu com um ar de tamanha piedade, que a amiga corou.

- Não te parece bonito? perguntou Fernanda.

- Não é feio.

- O que mais me seduz nele é o seu ar triste, um certo abatimento que me faz crer que padece. Sabes de alguma coisa a seu respeito?

- Eu?

- Ele dá-se muito contigo; tenho-o visto lá em tua casa. Sabes se haverá alguma paixão...

- Pode ser.

- Oh! conta-me tudo!

Eulália não contou nada; disse que nada sabia.

Concordou, entretanto, que o jovem médico talvez andasse enamorado, porque realmente não parecia gozar boa saúde. O amor, disse ela, era urna espécie de pletora, o casamento uma sangria sacramental. Fernanda precisava sangrar-se do mesmo modo que Maciel.

- Sobretudo nada de remédios caseiros, concluiu ela; nada de olhares e suspiros, que são paliativos destinados menos a minorar que a entreter a doença. O melhor boticário é o padre.