Não convém à nossa história acompanhar os passos da vida de Teófilo ...



Não convém à nossa história acompanhar os passos da vida de Teófilo, nem os de sua família. Basta saber que na época em que esta narração começa Teófilo conta vinte e dois anos; está sem pai; as irmãs e os primos estão casados; o tio padre alcançou uma vigararia no norte; resta-lhe a velha mãe e a agregada, moça de dezoito anos. Vivem no Rio de Janeiro.

Teófilo ensina história e geografia em alguns colégios particulares: é a sua fonte de renda. Nas horas vagas faz versos que ninguém lê, porque ele os guarda cuidadosamente no fundo da gaveta.

Quando à mesa do almoço D. Tereza (é o nome da mãe do poeta) pergunta a seu filho que trabalho leva a fazer às vezes alta noite, Teófilo responde sorrindo:

- Estou fazendo um ponto de admiração.

D. Tereza não entende a metáfora, e seria de crer que a agregada também não entendesse, se um sorriso sonso e inteligente não lhe roçasse nos lábios a esta resposta de Teófilo.

É que o ponto de admiração que Teófilo preparava para a posteridade, guardando-lhe um poeta incógnito, não era mistério para a moça. Seria ela a musa dos versos? Não era. Teófilo não reparava no sorriso, e a mesma cena repetia-se dias depois.

Esta agregada era órfã. Os pais morreram pobríssimos e deixaram a filha aos cuidados da família do major, onde viveu no mais perfeito pé de igualdade com as filhas deste. Recebera a mesma educação, tinha as mesmas qualidades e sentimentos, e se era mais bonita que elas nem por isso se desvanecia, antes parecia afligir-se de uma superioridade que de algum modo humilhava as suas protetoras.

Imagine-se uma beleza suave e angélica, fazendo adivinhar a singeleza e a pureza do coração através das linhas puras e suaves do rosto e do brilho sereno e sincero dos olhos claros. Modesta no trajar, no gesto e nos sentimentos, Helena (tal era o seu nome) era admirada por todos, invejada por muitos, ambicionada... por ninguém.

Helena era a filha de coração de D. Tereza. Era a última que lhe restava, depois do casamento das suas próprias. A boa senhora estimava-a como estimava Teófilo; Helena, por seu lado, consagrava a D. Tereza um amor de filha, além do reconhecimento que lhe devia pelos benefícios que recebera dela. Teófilo amava Helena como irmã. Eram uma só família.

Como disse acima, Teófilo escrevia versos que guardava no cioso fundo da gaveta. Ninguém, nem sua mãe, nem Helena, nem os amigos mais íntimos, mereciam a confiança do poeta. Era um verdadeiro Harpagão, mas um Harpagão sublime que levava a avareza intelectual ao ponto de não confiar, nem dos mais insuspeitos, as impressões, as palpitações, as inspirações, os sonhos, as quimeras, isto é, toda a sua alma.

Era respeitável este sentimento. De que serve, muitas vezes, confiar à multidão o sentimento que nos domina, a aspiração que nos impele, a comoção que nos abala? Teófilo sentia-se puro no meio do silêncio e da obscuridade; parecia-lhe que, do momento em que abrisse a todos o íntimo do seu coração, murchava-lhe a flor do sentimento e a sua alma ficava menos pura.

Mas a que vinha o sorriso de Helena? Aqui vai a explicação.