D. Tereza notou a tristeza de ambos, como dissemos acima ...



D. Tereza notou a tristeza de ambos, como dissemos acima. Supôs ao princípio simples coincidência; mas afinal caiu-lhe uma suspeita no espírito. Talvez se amem de muito, talvez se arrufassem de pouco. Quis observar, mas nada conseguiu saber. Lembrou-lhe interrogar diretamente Helena; mas essa resolução não passou ao princípio de uma simples idéia. A questão era delicada.

Entretanto, uma noite em que Teófilo se achava em casa e procurava no estudo uma hora de distração, batem palmas à porta.

Era Augusto.

Teófilo recebeu-o no gabinete.

- Que me queres? perguntou ele ao amigo.

- Ouvem-nos? disse Augusto acendendo um charuto.

- Não.

- Bem.

- Que me queres?

- Sei tudo.

O que?

- Sei que amaste Sílvia, sei que lho disseste, sei que ela recusou o afeto do teu coração.

Teófilo empalideceu.

- Por que empalideces? perguntou Augusto.

- Por dois motivos: o primeiro é a recordação desse amor infeliz; o segundo é que esta derrota é para mim uma vergonha tal que eu quisera encobrir até aos meus mais íntimos amigos.

- Aceito o primeiro; quanto ao segundo...

- O segundo é igualmente aceitável.

- Não é. Seria a primeira derrota, mesmo com Sílvia?

- Creio que não é a primeira; mas não é derrota propriamente o que me dói e me envergonha; é que ela mostra o meu erro e a minha loucura em ter procurado vitória em terreno tão alto e tão difícil.

- Não digas isso...

- Por que não? Desejei o impossível; tive a paga do meu arrojo. Mas quem te disse tudo? Foi ela?

- Foi.

- Ah!

- Digo-to francamente para que avalies a namoradeira em cujos olhos puseste a estrela das tuas ambições amorosas. Contou-me ela ontem tudo o que se passou, isto entre um movimento de leque e uma escala do piano. Não te vingas isso?

- Não. Embora não aceitasse o meu coração, eu desejara que ela ficasse sendo a mulher nobre e elevada que eu sonhei nas minhas noites de febre.

- Vim dizer-to para que mais depressa esquecesses aquela mulher. Se o teu amor ficasse ofendido, era mau para ti e para nós: sucumbias. Mas se deste naufrágio só o teu amor próprio houver sofrido, é certo que viverás.

- É a primeira hipótese: eu já não vivo.

- Tenho a esperança de que há de ser a segunda.

- Desejos de amigo! disse Teófilo suspirando.

- Adeus, disse Augusto levantando-se e abraçando o poeta.

O poeta acompanhou Augusto até a porta.

Quando voltou para o quarto, Teófilo encontrou Helena na sala de jantar.

Ao principio não reparou, mas depois viu que a moça tinha os olhos rasos de lágrimas.

- Que tem, Helena? perguntou ele.

- Nada: dor de cabeça.

Teófilo olhou silenciosamente para a moça e retirou-se.

Causou-lhe estranheza aquilo. Que motivos terão aquelas lágrimas? perguntou ele consigo.

Procurou, e a sua primeira idéia foi que Helena amasse Augusto. Qualquer que fosse a singularidade desta explicação, todavia ela pareceu a Teófilo mais plausível do que a de que ele fosse o amado daquele jovem coração.

Dois dias passaram-se depois disto. No fim desses dois dias D. Tereza foi a primeira a romper o silêncio e a perguntar afoitamente a Teófilo a causa da tristeza de ambos.

Apanhado de surpresa, Teófilo não teve que responder. Não só esta pergunta recordou-lhe diretamente o triste amor por Sílvia, como aproximava em uma só causa a tristeza dele e a tristeza de Helena.

Está última circunstância calou-lhe no espírito.

- Eu nada tenho, disse ele depois de algum tempo. Quanto a Helena, não sei.

- Amam-se, talvez? perguntou D. Tereza.

E como Teófilo não respondesse, a boa velha acrescentou:

- Pois é o que podiam fazer de melhor. Eis o que me daria a mais completa felicidade.

Teófilo retirou-se pensativo.

Seria ele amado por Helena? Teria ele roçado cem vezes aquele amor ingênuo, respeitoso, sem dar por ele? Sofreria ela a dor que ele sentiu quando a indiferença de Sílvia cortou em flor as suas esperanças?

Estas perguntas foram feitas por Teófilo a si próprio sem que ele pudesse dar-lhes uma resposta completa.

Uma circunstância trouxe toda a luz à situação. Tendo saído de manhã voltou imediatamente em busca de um livro que esquecera e que lhe era necessário a lição que ia dar naquele dia.

Entrou sem ser sentido e foi ao gabinete. Ali estava Helena, diante da porta aberta, tendo na mão uma folha de papel.

Eram versos.

Helena quando o sentiu ficou sem saber o que fazia. Olhou para ele e conservou na mão o papel.

Tinha o semblante triste, mas procurou alegrá-lo com um sorriso. Não pôde. Era um sorriso que a traiu.

Teófilo encaminhou-se para ali e pegou na mão de Helena.

- Amas-me, Helena?

A moça abaixou os olhos.

Teófilo repetiu a pergunta.

- Sim; murmurou a moça.

- Quer ser minha mulher?

Helena fugiu sem dizer palavra.

Teófilo viu-a desaparecer e disse consigo:

- Sei o que são estes sofrimentos. Padeci; não quero que ela padeça. Serei dela. Este amor curar-me-á.

No dia seguinte Augusto recebia esta carta de Teófilo.

"Meu amigo. - Fui buscar o impossível, tendo o possível à mão. Vê como andava errado. Queres ser meu padrinho de casamento? Helena vai ser minha mulher".