Eram duas horas da tarde quando saíram os dois deputados ...



Eram duas horas da tarde quando saíram os dois deputados. Ansiosos por saber mais notícias, saímos todos e descemos a rua vagarosamente. Grupos de quatro e cinco se entretinham com o assunto do dia. Parávamos; combinávamos as versões; mas não retificavam as dos outros. Num desses grupos já estavam os três ministros nomeados; outro acrescentava os nomes dos dois deputados, pela única razão de os ter visto entrar num carro.

Às três horas já corriam versões de todo o gabinete, mas era tudo vago.

Determinamos não voltar para casa sem saber do resultado da crise, salvo se a notícia não viesse até às cinco horas, pois era de mau gosto (disse-me o C...) andar na rua do Ouvidor às 5 horas da tarde.

- Mas qual será o meio de saber? perguntei eu.

- Eu vou ver se colho alguma coisa, disse Ferreira.

Vários incidentes nos iam detendo a marcha: algum amigo que passava, uma mulher que saía de uma loja, uma jóia nova em uma vidraça, um grupo tão curioso como o nosso, etc.

Nada se soube nessa tarde.

Voltei para o Hotel da Europa a fim de descansar e jantar; o C... jantou comigo. Conversamos muito do tempo da academia, dos nossos amores, das nossas travessuras, até que a noite veio e resolvemos voltar à rua do Ouvidor.

- Não era melhor irmos à casa do V..., pois que é ele o organizador do gabinete? perguntei.

- Primeiramente, não temos tamanho interesse que justifique esse passo, respondeu o C...; depois, é natural que ele não nos possa falar. Organizar um gabinete não é coisa simples. Finalmente, apenas o gabinete estiver organizado cá saberemos na rua qual ele é.

A rua do Ouvidor é lindíssima à noite. Estão os rapazes às portas das lojas, vendo passar as moças, e como tudo está iluminado, não imaginas o efeito que faz.

Confesso que me esqueceu o ministério e a crise. Havia então menos quem cuidasse de política; a noite da rua do Ouvidor pertence exclusivamente à fashion, que é menos dada aos negócios do Estado que os freqüentadores de dia. Todavia, achamos alguns grupos onde se dava como certa a organização do gabinete, mas não se sabia ao certo quem eram os ministros todos.

Encontramos os mesmos amigos da manhã.

Ora, justamente quando o Mendonça se dispunha a ir colher alguma coisa certa, apareceu o desembargador com o rosto alegre.

- Que há?

- Está organizado.

- Mas quem são?

O desembargador tirou do bolso uma lista.

- São estes.

Lemos os nomes à luz do lampião de um mostrador. O Mendonça não gostou do gabinete; o Abreu achou-o excelente; o Lima, fraco.

- Mas isto é certo? perguntei eu.

- Deram-me agora esta lista; creio que é autêntica.

- O que é? o que é; perguntou por traz de mim uma voz.

Era um sujeito moreno e bigode grisalho.

- Sabe quem são? perguntou-lhe o Abreu.

- Tenho uma lista.

- Vejamos se combina com esta.

Costearam-se as listas; havia engano num nome.

Mais adiante encontramos outro grupo lendo outra lista. Divergiam em dois nomes. Alguns sujeitos que não tinham lista copiavam uma delas deixando de copiar os nomes duvidosos, ou escrevendo-os todos com uma cruz à margem. Corriam assim as listas até que apareceu uma com ares de autêntica; outras foram aparecendo no mesmo sentido e às 9 horas da noite sabíamos positivamente, sem arredar pé da rua do Ouvidor, qual era o gabinete.

O Mendonça ficou alegre com o resultado da crise. Perguntaram-lhe porque razão.

- Tenho dois compadres no ministério! respondeu ele.

Aqui tens o quadro infiel de uma crise ministerial no Rio de Janeiro. Infiel digo, porque o papel não pode conter os diálogos, nem as versões, nem os comentários, nem as caras de um dia de crise. Ouvem-se, contemplam-se; não se descrevem.