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Saiu. Quase a correr. Pareceu-lhe que se operara nos objetos, nas
coisas, nas pessoas uma transformação. Tudo esplendia, tudo ria,
tudo era suave e alegre. No costureiro escolheu mais três vestidos,
depois das provas. Depois na rua lembrou-se de tomar chá e resolveu
logo o contrário. Passou pela casa dos véus, olhou sem querer e
não viu senão as vendedoras. Tomou o automóvel. Os seus pulsos
batiam e as extremidades estavam geladas, as extremidades dos seus
lindos dedos. Em casa, foi-lhe impossível jantar. Quis ler.
Suspirou, incapaz de atenção. Dentro dos seus olhos,
enchendo-lhe os sentidos estava a figura morena e forte, com os
cabelos em cachos e as mãos que deviam ser quentes. Deitou-se.
Revolveu o leito. Que solidão! Que imensa solidão! Nem a si
mesma ousava confessar a impressão instantånea...
No dia seguinte, porém, como acordasse fatigada da agitação
insônia, as palavras que dormiam no seu lábio ansiosas soaram a
contra gosto.
Seria uma simples incidência do desejo esparso na cidade,
aproveitando o momento de abandono de sua alma, o momento em que estava
menos preparada a resistir? Mas resistir ao quê? O rapaz era um
simples empregado de casa de modas, que não lhe dera nenhuma atenção
especial. Nem podia. Nem devia. Nem ela consentiria. O
desagradável é que ele não existia socialmente, não tinha um nome,
um título, uma família ao menos. Nunca por conseqüência poderia
pensar em fazer-lhe a corte. Loucura! Ela, generala, ela que se
recusara às tentações dos leões dos salões, ela que afastara
propostas de homens admirados, ela invulnerável tendo no cérebro a
hipótese não de um flirt mas de qualquer coisa de mais positivo com um
pobre pequeno. E ao lembrá-lo assim com pena, via-o de novo,
modesto, ingênuo, jovem, tão jovem! Não era possível que outras
mulheres ainda não tivessem reparado naquela juventude. Com certeza,
pobre, já teria tido amantes ordinárias, dessas mulheres que
estragam os rapazes e que são livres, inteiramente livres...
Talvez mesmo, num estabelecimento onde entram tantas mulheres
elegantes, alguma grande cocotte. Mas não! Ele não parecia
contaminado. Ele era novo em folha. Coitado.
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