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Dizem que o tempo é breve. Não viram o tempo que leva um ponteiro a andar cinco minutos... |
Foi para a pequena saleta íntima, onde havia dois enormes divãs. A saleta, mobiliada com muito gosto, era como certos salões de França, depois das relações com o Grão-Turco - meio francesa meio otomana. E dava para a galeria de entrada. Recostou-se, fechou os olhos. Todo o seu ser enchia de imagem e do desejo da imagem que a desnorteara. O coração batia-lhe de modo que sentia nas artérias do pescoço o seu desordenado bater. Agora, posto que não tivesse definido o futuro, só a assaltava um receio: viria ele? No imenso silêncio, o receio era quase angústia. Era capaz de não vir! Timidez decerto. Talvez, porém não tivesse agradado. Podia ser... O ridículo de desejar e ser repelida... Pela primeira vez reparou de fato numa pêndula de Boule que o falecido general comprara em Paris num leilão do Hotel Druot. A pêndula tinha um mostrador tranqüilo e desanimado. Dizem que o tempo é breve. Não viram o tempo que leva um ponteiro a andar cinco minutos! Quanto pensamos e realizamos e queremos e arfamos na terra para o desconhecido enquanto um relógio pesponta, à toa, cinco longos, intermináveis minutos! Se ele chegasse, se ele não chegasse! O ruído do relógio parecia compor essa alternativa, falar a gangorra do seu pensamento, enquanto a sua carne era como que aos poucos aquecida por um aflitivo desejo de consolo. De repente houve um breve retinir de campainha. Alda Guimarães teve um sobressalto como se a tivessem tocado na nuca com uma ponta de gelo. Tomou de um livro, abriu-o. Como os criados são lentos em abrir as portas! Era a eternidade positivamente. A campainha fez-se ouvir de novo, ainda mais breve e tímida. Um enternecimento pelo que aquela rápida vibração exprimia fê-la sorrir. O criado passou enfim, devagar, como compete a um criado de casa importante. Ela ouviu um rumor indistinto. O criado tornou a aparecer: - É o rapaz com os véus. Mando entrar? - Dê mais luz. Mande. Fechou os olhos, de pé. Um turbilhão parecia arrastá-la. Quando os abriu, à porta da saleta, respeitoso, com um grande embrulho, estava o adolescente. Ela via-o inteiro, dos pés à cabeça, e era como se visse, vestido, um dos muitos S. Sebastião em que os sensualistas do renascimento derramaram o seu amor pela pulcra forma dos efebos entontecedores. O criado, ao lado, estava firme. Alda Guimarães fez um esforço: - Trouxe a encomenda? - Sim, minha senhora. - Quero vê-los antes, à luz. Pode ir, Antônio. - Vossência permite? gaguejou o rapaz. - Entre. Pode desfazer o embrulho nesse divã. Com um motivo profissional para mascarar o seu enleio andou até o divã num passo que era leve e forte, curvou-se numa curva de estatuária, sem esforço, macio e vigoroso. Talvez tivesse ainda dúvidas, juventude enrodilhada na inexperiência e assustada com aquele luxo que tornava inacessível a mulher ao lado. Alda Guimarães sentou-se no divã, admirando-o. Como era diverso dos indivíduos que conhecera, rapazes e homens na sua sociedade - que vinca tanto as criaturas na mesma dobra! - Vossência desculpe eu ter demorado um pouco. Ela reparava agora no pêssego maduro que era o seu pescoço. Uma desorientada vontade de mordê-lo obrigou-a a indagar: - Por que não mandou outro? - Vossência disse que eu mesmo trouxesse. O que eu não pensei é que desejasse ver de novo os véus. Essa ingenuidade trouxe a Alda uma súbita confiança. - Não tem levado encomendas a outras casas? - Não, minha senhora. Isso é para empregados de outra categoria, os principiantes... - Ah! Já tem uma categoria? - Oh! bem modesta. - E que idade tem? - Fiz dezoito. - Era o que eu pensava. Houve um enorme silêncio. Ele abria as caixinhas. - Diga-me, Sr. Manoel, faz esporte? - Um pouco de remo, ao domingo, para divertir. - Era o que eu pensava. Mas para divertir? Na sua idade há outros divertimentos. - É uma questão de gosto. |
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