Eu sentia que era preciso salvá-la, para salvar-me...



De repente senti que tinha ódio a Corina, com vontade de defendê-la. Perdera a noção do real, sabendo que a perdera. Era desejo de aniquilar o desconhecido e o medo vago desse enorme e vago desconhecido. Não disse que a defenderia. Levei-a para um quarto de hotel em rua escura com a resolução de embarcá-la no dia seguinte, ainda não sabia como. No hotel, Corina tremia tanto, quando tentei deixá-la, que fiquei. Dormimos um ao lado do outro, sem uma carícia - ela a delirar com medo; olhando a treva e maldizendo a aventura. E no dia seguinte verifiquei apenas o seguinte: perdera insensivelmente metade da energia. Como essas criaturas na iminência do desastre. Como os criminosos com medo à polícia. Andei dois dias assim, desconfiado, fraco, aterrado, sem agir. Corina não deixava o quarto, sem dizer palavra. Eu sentia que era preciso salvá-la, para salvar-me. Inexplicável estado da alma! Na sexta resolvi terminar, vendo os anúncios dos vapores.

- Embarcas amanhã para a Europa!

Corina despregou-se das persianas, onde passava o dia a espreitar a rua.

- Não é possível! Ele já descobriu.

- Como?

- Vi-o ainda há pouco ali em frente.

- Mas estás louca!

- Não me deixe só, Rozendo! Ele mata-me. Chamei o criado, com uma súbita intenção do perigo. Interroguei-o. Havia algum hóspede novo? Havia. Um homem louro, pálido, que alugara o quarto do outro corredor, e estivera a ler a lista dos hóspedes... Corina caíra sobre o leito. Os seus dentes batiam como se estivesse desabrigada, entre neves. Fiz um esforço:

- Esse homem já recolheu?

- Há pouco.

Era uma luta, devia ser uma luta, secreta e atroz, na sombra. Mandei buscar um automóvel. Consegui dominar o terror de Corina para que ela ao menos caminhasse. Saímos naturalmente, como quem vai a passeio. No meio do caminho trocamos de automóvel. Eu tremia de raiva.

- A culpa é tua! Tu é que o fazes vir, sempre a pensar nele!

- É sim, Rozendo. Sinto que ele vem e não posso, não posso, não posso...

- Acabo com isso eu! Vamos dormir em qualquer hospedaria e amanhã dou queixa à polícia...