Ah! disse eu vendo a expirar a confissão, é grave...



- Ah! disse eu vendo a expirar a confissão, é grave...

Oscar olhou para mim, cândido como Adônis, e cansado como se sustentas se nos ombros o mundo.

- Por isso, murmurou, procuro - é horrível! - procuro as criaturas simples, as que não se perfumam, as que ignoram o postiço ignóbil da civilização, e guardam o próprio cheiro: as crianças, as adolescências rústicas, as criaturas que saem do banho brilhando mais e cheirando mais, os que não sabem se cheiram bem porque pensam que o cheiro é a falsificação dos perfumistas. Um lindo corpo, um corpo branco, cor-de-leite, que tem todos os suspiros campinos das bobinas, dos malmequeres, das margaridas, o sonho casto das violetas brancas e o anseio tranqüilo, o cheiro animal de qualquer coisa que se não sabe! Um corpo moreno, feito de um raio de sol, guardando a carnação das rosas e o cheiro da lascívia!... Beijar corpos assim, aspirá-los, aspirá-los... É quando há a simpatia do cheiro, que o irmanamento das almas. Tudo quanto toca a pessoa fica com o seu cheiro, o lenço esquecido, um pedaço de móvel. Parta ela, desapareça, cheira aquele pedaço. O poeta sensual já escreveu:

Ela andou por aqui, andou. Primeiro

Porque há vestígios das suas mãos; segundo

Porque ninguém como ela tem no mundo

Este esquisito, este suave cheiro.

E é. De chofre, à calentura do cheiro dela, uma onda de gozo nos transmuda, faz-nos reviver delícias e nevroses da gama que se acordava com o teu desejo. E a música mortal. Que digo eu? A roupa? Os trastes? Não! Basta o lábio cansado de roçar, basta o contato das mãos pelo seu corpo. Nós não conhecemos a própria alma porque não sentimos o nosso cheiro, enigmas para nós mesmos indecifráveis. O cheiro dos outros fica, impera. De volta de um cheiro amado, é cheirar as mãos e sentir o olor do amor como um velador nos próprios dedos. Ah! não! E dizer-te que eu uma vez, há quatro anos, senti esse cheiro, o cheiro do meu amor, numa criatura miserável, dizer que não me lembro das suas feições pelo muito que me lembro da completa satisfação do meu desejo, dizer que nunca mais a vi, que a procuro, que a procuro e jamais a encontro... Como queres tu que eu ouça as conversas idiotas, como queres tu que pense noutra coisa? Vou em busca do meu perfume, do perfume que amo, da uma desse sonho, do corpo dessa alma. E degringolo a razão, a moral, respeito da sociedade, rolo o abismo dos lugares pouco distintos, dou-me a relações pouco brilhantes, aspiro todos os corpos à espera de um dia encontrar o perfume incomparável, a essência doce dessa carne de ouro.

- Curioso.

- A mais rara moléstia que ninguém sabe.

De repente, porém, os seus olhos chisparam. Ergueu-se. Sorriu.

- Espera um instante.

Sumiu-se apressado. Eu também sorri então. Não voltaria. Alguém passara que se parecera com o seu cheiro. Pobre rapaz! Talvez fosse na desvairada luxúria o grande sensual do ideal. E talvez não, talvez fosse um louco. Somos todos loucos mais ou menos. Foi então que vi serem oito horas. Como o personagem do poema, Oscar procurava novos perfumes no seu cheiro ideal e os prazeres não sentidos, sempre mais amargos e menos consoladores. Ergui-me. Já em toda a Avenida, centenas de låmpadas elétricas acendiam a sua grande extensão no clarão da luz, - "a mensageira da verdade visível"...