Riram ambas, ambas se beijaram, e dando o braço uma à outra saíram ...



Riram ambas, ambas se beijaram, e dando o braço uma à outra saíram dali como dois anjinhos que acabavam de pedir a Deus por uma alma condenada.

Ernesto, apenas sentiu que elas já estavam longe, saiu do seu esconderijo.

Que iria fazer? Esteve alguns instantes sem tomar determinação alguma. Ainda não tinha falado a Onda; o melhor meio que lhe pareceu era dirigir-se à moça, cumprimentá-la e não tocar no assunto da carta.

Depois, se ela viesse de si ao assunto, falar conforme o tom das suas palavras e procurar fugir ao ridículo e à afronta.

Tendo tomado esta resolução, Ernesto caminhou para o salão em busca de Onda. Tocava-se o sinal de uma quadrilha. Ernesto dirigiu-se para Onda com um sangue frio afetado e fez-lhe, o mais gracioso e indiferente que pôde, um cumprimento. Depois convidou-a a dançar.

- E se eu tiver par? perguntou a moça, um pouco admirada da discordância que notava entre a carta e aqueles modos.

- Paciência; esperarei.

- É tão resignado assim?

- Por que não?

Mas os olhos de Onda, com que Ernesto não contava, iam fazendo já o efeito do costume, de modo que a indiferença com que ele viera determinado começou a dar lugar a uma ternura misturada com humildade.

Onda respondeu:

- Pois quero dar-lhe uma prova de amizade. Vou roer a corda ao par.

- Oh! isso!

- Por que não? Está dito: vamos dançar.

E levantando-se, aceitou o braço de Ernesto, que nada pôde responder a estas palavras, tão estranho lhe pareceu aquele procedimento.

Formou-se a quadrilha e ambos dançaram, tendo exatamente por vis-à-vis a companheira de Onda e um dos rapazes da aposta com Ernesto.

É inútil dizer que nenhum cavaleiro alegou a falta de Onda, visto que ela não tinha realmente par aceito para a quadrilha.

Durante a dança os ressentimentos de Ernesto foram desaparecendo cada vez mais. No fim estava quase como na hora em que escreveu a carta.

Terminada a quadrilha foram os dois para o pequeno terraço da casa.

A noite era das mais belas. Esta circunstância serviu de tema para as primeiras palavras de Ernesto, a quem ocorreram no momento as palavras de uma situação de romance que ele lera alguns dias antes.

Enquanto a conversa não passou dessas banalidades, Onda mostrou-se amável a mais não ser. Mas Ernesto, iludido por essas aparências, tendo esquecido perfeitamente a conversa da janela, ousou falar bruscamente na carta e pedir uma resposta.

Da primeira vez Onda não respondeu.

Ernesto insistiu na exigência.

Onda convidou-o a levá-la ao salão.

- Mas a carta?

- A carta? disse ela. Que carta?

- A que eu lhe mandei.

- Ah! ainda não li. Tive tanta coisa em que cuidar ontem.

Ernesto enfiou deveras.

- Não leu?

- Não li.

Ernesto não se pôde ter, e referiu a conversa que ouvira entre Onda e sua amiga. Depois de ouvir a narração que Ernesto matizou de pontos de admiração... Onda contentou-se em responder:

- Foi sonho!

Ernesto não disse palavra ouvindo isto.

Houve entre ambos um momento de silêncio.

Onda encetou conversa sobre coisas diversas. Ernesto mal respondia por monossílabos.

Enfim, Onda pediu a Ernesto que a conduzisse ao salão. Ernesto deu-lhe o braço e disse-lhe que também não se demoraria no baile.

- Mas irá em minha casa amanhã, sim?

- Para que? Para ouvir a leitura...

E cortou subitamente o que ia dizer.

Mas Onda adivinhou.

- Ora, disse ela. Não falemos mais nisso. Vá, que eu gosto de sua companhia.

Ernesto levou Onda ao salão e saiu sem despedir-se de ninguém.

Estava humilhado.

No dia seguinte, os seis amigos de Ernesto receberam o seguinte bilhete:

"Perdi a aposta. Estão convidados a jantar hoje no hotel da Europa às cinco horas. Enterro o amor.

Ernesto".