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      - Pelas cinco horas da manhã, a pensão acordava a uns gemidos roucos, que 
      vinham do quarto de Elsa. Eram bem gritos estertorados de socorro. As mulheres 
      desceram em fralda, os criados ergueram-se com o sorriso cínico habituado 
      àquelas madrugadas agitadas de ataques e de delírios histéricos. A porta 
      do quarto estava fechada. Bateram, bateram muito, enquanto lá dentro o som 
      rouco rouquejava. Foi preciso arrombar a porta. E a cena fez recuar no primeiro 
      momento a tropa do alcouce. Como luz havia apenas a lamparina numa redoma 
      rosa. O quarto, cheio de sombra, mostrava, em cima das poltronas, as sedas 
      e os dessous de renda da Elsa. Um frasco de éter aberto, empestava o ambiente. 
      A Elisa, o corpo da Elisa estava de joelhos à beira da cama. Os braços pendiam 
      como dois tentáculos cortados. Inteiramente nua, o corpo divino lívido, 
      os cabelos negros amarrados ao alto como um casco de ébano, Elsa d'Aragon, 
      as pernas em compasso, a face contraída ainda sentada garrava com as duas 
      mãos numa crispação atroz, a cabeça da Elisa. Era Elisa que rouquejava. 
      Elsa estava bem morta, o corpo já frio. Devia ter havido luta, resistência 
      de Elsa, triunfo da mulher loira e por fim sem fim até a morte. enquanto 
      a outra se estorcia, apertava-a, arrancava-lhe os cabelos, machucava-lhe 
      o rosto - aquele horror. Elsa entrara do nada debatendo-se, vitima de um 
      suplício diabólico, mas no último espasmo as suas mãos agarram a assassina. 
      Quando esta afinal satisfeita quis erguer-se, sentiu-se presa pelos cabelos, 
      tentou lutar, viu que a pobre era cadáver. E passou-se então para o monstro 
      o momento do indizível terror, o momento em que se vê para sempre o mundo 
      perdido porque ficou imóvel rouquejando, de joelhos, a cabeça no regaço 
      do cadáver, que mantinha nas mãos cerradas a massa dos seus cabelos de ouro. 
      Os dedos de resto pareciam de aço. Uma das mulheres recorreu à tesoura para 
      despegar a cabeça de Elisa das mãos do cadáver. Quando o corpo tombou no 
      leito com um punhado de cabeleira nas mãos, o bando estremunhado viu surgir 
      a face de Elisa, tão decomposta, tão velha que parecia outra, como que aparvalhada. 
       
       
 
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