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O bebê sorriu sem dizer palavra. Estás esperando alguém? Fez um
gesto com a cabeça que não. Enlacei-o. - Vens comigo? Onde?
indagou a sua voz áspera e rouca. - Onde quiseres! Peguei-lhe nas
mãos. Estavam úmidas mas eram bem tratadas. Procurei dar-lhe um
beijo. Ela recuou. Os meus lábios tocaram apenas a ponta fria do
seu nariz. Fiquei louco.
- Por pouco...
- Não era preciso mais no Carnaval, tanto mais quanto ela dizia com
a sua voz arfante e lúbrica: - "Aqui não!" Passei-lhe o braço
pela cintura e fomos andando sem dar palavra. Ela apoiava-se em mim,
mas era quem dirigia o passeio e os seus olhos molhados pareciam fruir
todo o bestial desejo que os meus diziam. Nessas fases do amor não se
conversa. Não trocamos uma frase. Eu sentia a ritmia desordenada do
meu coração e o sangue em desespero. Que mulher! Que vibração!
Tínhamos voltado ao jardim. Diante da entrada que fica fronteira à
rua Leopoldina, ela parou, hesitou. Depois arrastou-me,
atravessou a praça, metemo-nos pela rua escura e sem luz. Ao
fundo, o edifício das Belas-Artes era desolador e lúgubre.
Apertei-a mais. Ela aconchegou-se mais. Como os seus olhos
brilhavam! Atravessamos a rua Luís de Camões, ficamos bem embaixo
das sombras espessas do Conservatório de Música. Era enorme o
silêncio e o ambiente tinha uma cor vagamente ruça com a treva
espancada um pouco pela luz dos combustores distantes. O meu bebê
gordinho e rosa parecia um esquecimento do vicio naquela austeridade da
noite. - Então, vamos? indaguei. - Para onde? - Para a tua
casa. - Ah! não, em casa não podes... - Então por aí. -
Entrar, sair, despir-me. Não sou disso! - Que queres tu,
filha? É impossível ficar aqui na rua. Daqui a minutos passa a
guarda. - Que tem? - Não é possível que nos julguem aqui para
bom fim, na madrugada de cinzas. Depois, às quatro tens que tirar a
máscara. - Que máscara? - O nariz. - Ah! sim! E sem mais
dizer puxou-me. Abracei-a. Beijei-lhe os braços, beijei-lhe o
colo, beijei-lhe o pescoço. Gulosamente a sua boca se oferecia.
Em torno de nós o mundo era qualquer coisa de opaco e de indeciso.
Sorvi-lhe o lábio.
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