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Mas o meu nariz sentiu o contato do nariz postiço dela, um nariz com
cheiro a resina, um nariz que fazia mal. - Tira o nariz! - Ela
segredou: Não! não! custa tanto a colocar! Procurei não tocar
no nariz tão frio naquela carne de chama.
O pedaço de papelão, porém, avultava, parecia crescer, e eu
sentia um mal-estar curioso, um estado de inibição esquisito. -
Que diabo! Não vás agora para casa com isso! Depois não te
disfarça nada. - Disfarça sim! - Não! procurei-lhe nos
cabelos o cordão. Não tinha. Mas abraçando-me, beijando-me, o
bebê de tarlatana rosa parecia uma possessa tendo pressa. De novo os
seus lábios aproximaram-se da minha boca. Entreguei-me. O nariz
roçava o meu, o nariz que não era dela, o nariz de fantasia.
Então, sem poder resistir, fui aproximando a mão, aproximando,
enquanto com a esquerda a enlaçava mais, e de chofre agarrei o
papelão, arranquei-o. Presa dos meus lábios, com dois olhos que a
cólera e o pavor pareciam fundir, eu tinha uma cabeça estranha, uma
cabeça sem nariz, com dois buracos sangrentos atulhados de algodão,
uma cabeça que era alucinante - uma caveira com carne...
Despeguei-a, recuei num imenso vômito de mim mesmo. Todo eu tremia
de horror, de nojo. O bebê de tarlatana rosa emborcara no chão com
a caveira voltada para mim, num choro que lhe arregaçava o beiço
mostrando singularmente abaixo do buraco do nariz os dentes alvos. -
Perdoa! Perdoa! Não me batas. A culpa não é minha! Só no
Carnaval é que eu posso gozar. Então, aproveito, ouviste?
aproveito. Foste tu que quiseste...
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