Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias...



Depois tinha ternuras de voz:

- Na minha vida, até agora não tinha gostado de ninguém.

- E agora?

- Agora gosto de vocês dois.

E piscava os olhos para o Francisco, se Pedro estava voltado, tendo o cuidado de significar por um sinal qualquer a Pedro a sua preferência. O Sr. Francisco talvez acreditasse. Pedro divertia-se, amando, afinal, como devia amar essa criaturinha, ingênua, apesar de perdidíssima naquele ambiente de crápula. Era dos que se contentam com o que as mulheres dão, achando-as sempre generosas, por piores que elas sejam. E isso dava-lhe em pouco tempo uma enorme vantagem sobre todos os outros.

- Duvido! bradava ele.

- Juro!

- E estes retratos todos?

Ela então contava a história e as particularidades de cada um daqueles cavalheiros, ia buscar as cartas para lerem alto, rindo. Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias.

- Apoiado! fez com uma alegria terrível o Sr. Francisco.

- Não! não! clamava Flora Berta, louca de riso com a idéia do julgamento e da morte dos retratos.

Horas depois as paredes estavam nuas e Pedro sentia aquele misto de contentamento e de tristeza que tem todo o homem moderno, quando irreparavelmente o mundo lhe mostra o vácuo dos sentimentos. Era inacreditável! Não sentiam aqueles seres, não pensavam, não tinham um toque que os díferençasse dos animais, e pareciam felizes e viviam. Talvez fosse melhor não sentir, porque o pudor é a diferenciação do homem, e aqueles sem pudor viviam radiantes. Nenhum deles teria ao menos um laivo de decoro d'alma?

Talvez tivesse, mas tão apagado, tão liquefeito, e com certeza tão extemporåneo! Os homens pareciam ir ali despir a vergonha para estar à vontade; as mulheres nascidas naquele meio desde crianças, ainda impúberes e já com o conhecimento completo das mais tremendas luxúrias, prestando-se a todas as ignomínias, ignoravam mesmo o que fosse o pudor. E a sua dignidade, - porque elas tinham dignidade - era ter muitos amantes e não se zangar quando as outras lhes tomavam alguns.

- Meus restos, criatura...

O ceticismo romåntico de Pedro tornava-se de uma análise penetrante, fazia-o um avaliador de algumas frases inconscientes daquela gente que ele tivera a ilusão de julgar um pouco melhor que a roda da diversão e prazer caro. Pois era pior. Pior porque não era imoral. Nem isso. Pior porque era a alma nua espojando-se e mostrando as mazelas. Aquelas mulheres tinham sido virgens, talvez tivessem ignorado a vida. Nenhuma delas, porém, mostrava, na abundante tagarelice, um sentimento perfumado, uma vaga emoção dignificadora, - tropa meio bamba de bacantes permanentes, com instintos selvagens. E, entretanto, Pedro não desanimava. Fazer-se amar pela Flora Berta? Pobrezita! Não. Ver uma daquelas mulheres mostrar subitamente qualquer coisa de nobre? Não. Pedro esperava o terrível, o imprevisto, lugubremente horrível que há sempre a pairar nos transbordamentos banais da luxúria. E naquela casa aberta a toda a gente, onde se praticava a vida animal sem mistério, sem recato, na sarabanda das ceias, nas mais desenfreadas orgias, em diálogos com a velha mãe de Flora, diariamente espancada, forçando a intimidade com o amoroso Francisco, a cada instante parecia-lhe sentir que impalpavelmente a revelação imprevista ia surgir.