Escondi-me com o coração batendo...



Gomes teve um gesto alucinado, junto à escada que dava para os aposentos superiores.

- Nada de palavras inúteis. Jura segredo?

- É um crime.

- Jura?

- Juro.

- Pois salvemos uma pobre mulher, salvemos uma desvairada, meu amigo, salvemo-la! Não, pergunte por quê. Amo-a como pai, como amante, como quiser.

É ela que rouba, é ela. Não há meio de impedir Vou mandá-la embora e ao mesmo tempo tremo de vê-la no cárcere. É louca. Neste momento mesmo estamos à mercê da sorte e do disparate do Pontes, a quem eu devia odiar Mas vamos salvá-la. É preciso salvá-la. Tudo será restituído. Já tenho feito isso. Psiu! Esconda-se, esconda-se. Aí debaixo da escada. Não a veja, não a veja...

Alguém descia a escada sutilmente. Escondi-me com o coração batendo, enquanto Gomes amparava-se ao corrimão. O silêncio parecia aumentar a vastidão da escada. A voz do Gomes indagou:

- Tudo?

- Sim, meu medroso, sim, eu tinha tudo junto. Toma. E agora, até...

O vulto passou para o saguão de entrada. Da sala de jantar vinham vindo os hóspedes, excitados com aquela investigação policial aos quartos. Trêmulo, lívido, Gomes meteu-me na mão um embrulho, enquanto empurrava nas vastas algibeiras da sobrecasaca e da calça outros pequenos rolos, a dizer:

- Amanhã, restituiremos pelo correio, amanhã saem muitos. Sê bom, salva-a!

Era atroz, era trágico, era ridículo ver aquele homem ilustre e honesto a guardar os roubos de uma cleptomaníaca satånica e era estúpido o que eu fazia! Mas irresistível.

Fosse quem fosse essa gatuna inteligente, era de uma ousadia, de um plano, de uma afoiteza, de um egoísmo diabolicamente esplêndidos. Estiquei o pescoço na ånsia da curiosidade, a saber quem era, a ver quem podia ser no hotel tão cheio de hóspedes, aquela de que me fazia cúmplice, aquela que misteriosamente, impalpavelmente, durante um mês, trouxera ao hotel atmosfera de dúvida, de crime, de infåmia. E, contendo um grito de pasmo, vi Mme de Santarém entrar no saguão sorridente e calma.