Nunca, murmurou o psicólogo, nunca nos enganamos...



Nós olhávamos o grupo. A velha tinha pela primeira vez a face alegre. Abria a bolsa, dava uma cédula ao tipinho. O tipinho esperava apenas por isso, porque logo estendeu a mão. E nós vimos o velho trapo da praça estender também a mão para que o rapaz a beijasse - tão transfigurada que parecia uma duquesa e parecia uma santa...

- Vamos embora, Augusto. Olha que perdemos o primeiro ato.

- Sim, perdemos, tartamudeou o incorrigível romåntico.

Senti que desejava correr. Augusto parecia não querer andar. Passava por nós a velha pelancuda, infame, seca. E Cidália falava-lhe. Ainda as ouvimos.

- D. Joaquina! Já sei que está contente. O seu José veio vê-la...

- Coitado! Rebentou a botina e queria ir ao baile hoje. O meu filho! Cidália, uma pobre mãe não deve poupar sacrifícios, quando Deus lhe deu dois filhos seus amigos...

Tomei do braço de Augusto.

- Como nos enganamos!

- Nunca, murmurou o psicólogo, nunca nos enganamos! A vida é sempre muito mais atroz do que se imagina...

E entramos no teatro com a boca amarga, a tristeza inútil n'alma para discutir nos intervalos com senhoras e cavalheiros a voz do tenor e a plástica da prima-dona. Seria uma calamidade se todas as coisas fossem imprevistas...